terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Facciamo L'América - O desembarque dos Polo

Imagine sua cidade. Sua casa. Seus amigos, vizinhos e todo ambiente em que vive: a temperatura, os alimentos mais comuns, a língua, a vida em si. Agora pense bem: por pior que seja, a torne mais ruim ainda,   imagine sua vida tão ruim que pegar um navio cheio de gente e desembarcar numa terra completamente diferente da sua ganhasse contornos de esperança.

Imagine logo após o desembarque, suas poucas coisas servirem de moeda de troca para os primeiros instantes na nova terra. Boa parte da família correrá risco de morrer de varíola, tifo, lepra ou alguma doença tropical.

Se tudo corresse bem, trabalharia como um burro de carga, para garantir a subsistência da sua família que não para de crescer. Esse era o panorama da maioria dos Italianos aqui no início do século XX. Com os Polo e meus demais Italianos com certeza não foi diferente.

Mesmo morando na região da laguna de Venezia, os Polo saíram por Gênova. Isso quer dizer que a jornada começou no outro lado da Itália, onde existia o principal porto do norte Italiano. Juntando os cacos, consegui refazer boa parte do trajeto dessa epopéia. 

Os registros começaram a clarear no Archivio di Stato di Venezia onde é facilmente identificado na seção das liste di leva:

Polo Lino
di professione: Contadino
figlio di Polo Pietro di professione Contadino e Bortolotto Antonia
Nato il 24/03/1879
Luogo di nascita: San Stino di Livenza (Venezia)
Distretto Mandamento: Portogruaro
Segnalazioni dell'emigrazione: America, 3/4/1887
Numero di estrazione: 225
Lista di leva del comune di: San Stino di Livenza
Numero del registro: 177
Numero d'ordine: 35
Segnatura: Ufficio di leva di Venezia, Liste di leva

Esse registro tem um apontamento quase que único: a data de imigração. Podemos afirmar com certeza que eles passaram por Portugruaro (cidade levemente maior que Santo Stino) para fazer parte de mais um embarque.

Descobri os demais dados no Museu do Imigrante de São Paulo, com um pouco de dificuldade pelo sobrenome errado: Eles desembarcaram no porto de Santos em 06/05/1887. Ficaram 33 dias no mar, em uma rota que provavelmente passava pela França, Montevidéo e pela Argentina. Escolheram descer aqui, sabe Deus a razão.

No já citado Museu do Imigrante, aparece a outra ponta da história: no índice de famílias o nome do meu trisavô, Pollo Pietro. O curioso é que existia um Sebastiano Polito no mesmo navio. Seria um cunhado do primeiro casamento de minha trisavó Antonia Bortolotto?




E seguindo o livro 5 do arquivo, no final da página 198 está documentada mais detalhadamente a outra ponta da história: além do registro do desembarque de toda a família, o indicativo que receberam a ajuda financeira de 375 contos de réis e também registro de onde tudo começou aqui: o primeiro lugar de estada no Brasil, a cidade de Amparo (abreviado na palavra "Amp.").









Estou vasculhando a região de Amparo, pois não sei se Pietro Polo faleceu lá. É uma hipótese forte, pois em 1900 ele não era mais vivo, de acordo com o registro no casamento do Nonno Lino. Mas de uma forma ou de outra, esse foi o início do tão famoso "façamos a América", ao menos na Italia pobre.

Depois, foi só pegar a mogiana e se dirigir para Ribeirão Preto....

O navio


O navio que viajaram foi o La France. Observem uma foto que consegui. Parece muito sombrio.


Segundo o site "Novo Milenio", o La France possuía de comprimento, possuiria 130 metros, de tonelagem se aproximaria das 4 mil tab, de velocidade viajava a quase 12 nós (22 quilômetros) e de capacidade levaria mais de 1.000 passageiros. Nada de similar existia na época, na linha sul-americana.

Seu desenho também seria revolucionário: afilado, com amplo castelo central e duas curtas chaminés inclinadas, popa com superestrutura e proa (frente) inclinada, suas linhas eram tão de vanguarda que o desenho de prancha do La France seria ainda válido 20 anos mais tarde!  
La France levava ainda outro superlativo ligado ao seu nome: no momento de seu lançamento ao mar em 1871, era o segundo maior navio mercante jamais construído pelo homem, só perdendo para o gigante de Isambard Brunel, o Great Eastern.

Em julho de 1871, realiza sua viagem inaugural entre Marselha e Buenos Aires, batendo o recorde de travessia oceânica, com uma média de velocidade superior a 12 nós. Durante dez anos a partir dessa data, o La France não teve rivais na rota entre o Mediterrâneo e a Bacia do Prata, só sendo superado em velocidade e tonelagem com o lançamento, pela própria SGTM, do par Navarre e Bearn em 1881 e 1882, respectivamente.

Em termos de comprimento, foi necessário esperar até 1890 para se ver um vapor maior do que o La France na ligação Mediterrâneo-Brasil-Prata. O Alfonso XII, da Companhia Transatlântica, media 133 metros.

No decorrer de toda a década de 80 do século passado (N.E.: século XIX, portanto), a SGTM sustentou uma enorme pressão, provocada pela áspera concorrência oferecida pelas armadoras italianas e alemãs na rota entre o Mediterrâneo e a América do Sul.

Foi no intuito de se antepor a essa mesma concorrência que a empresa que o gerenciava (SGTM)  decidiu-se pela construção do novo par Navarre e Bearn, dois navios gêmeos com tonelagem superior a 4 mil tab e velocidade de cruzeiro de 14 nós (26 quilômetros horários).

Em 1885, o La France foi cedido por alguns meses ao governo da França para o transporte de tropas até a Indochina, durante o conflito sino-francês. No dia 3 de setembro do mesmo ano, o vapor foi vítima de um curioso episódio, ao penetrar, em viagem regular, em porto da Bahia. Um navio-aviso da marinha Imperial brasileira, Trariapé, despeja uma salva de canhão sobre o La France e a explosão de um obus a bordo deste causa o falecimento de um passageiro italiano.

Após a renúncia, por parte da China, à soberania dos territórios da Indochina em abril de 1885, a França passou a exercer total domínio terrestre e marítimo sobre essa região do Sudeste Asiático. Tal fato permitiu o estabelecimento de novos interesses comerciais e intercâmbio de mercadorias de alto valor, como seda e pérolas.


O aumento desse fluxo comercial atirou várias armadoras hexagonais para o Extremo Oriente e a SGTM não ficou à margem, deslocando o La France para repetidas viagens até Tonkin, no decorrer de 1886.

Foi durante uma escala de rotina no Porto de Las Palmas (Ilhas Canárias, no Oceano Atlântico) que a tragédia da colisão dos navios Sud America e do La France ocorreu. O episódio que provocaria a perda do Sud America e de 52 pessoas que se encontravam a bordo. O La France foi vendido para demolição no final de 1895, sendo desmontado, no ano seguinte, no Porto de Marselha.







Um comentário:

  1. Caro Fernando.
    Parabéns e muito obrigado.
    Orlando Paulo Rodrigues.

    Caro Fernando.
    Complimenti e grazie.
    Orlando Paulo (Polo) Rodrigues.

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